Direito de Família na Mídia
Em 2006, delegacias da mulher em SP registraram 21 ocorrências por hora
07/03/2007 Fonte: Última InstânciaNo dia em que se comemora a importância do papel das mulheres nas sociedades modernas e sua valorização, uma estatística alarmante reforça a necessidade de se repensar o espaço e o tratamento dado ao gênero feminino: em todo o ano de 2006, 187.282 ocorrências contra a mulher foram registradas no Estado de São Paulo. O número equivale a pouco mais de 512 ocorrências por dia, ou mais de 21 por hora.
No ano passado, as delegacias de defesa da mulher receberam 92.682 denúncias de lesões corporais dolosas, 4.402 de maus-tratos e 90.198 de ameaças, totalizando as 187.282 mil ocorrências.
A estatística é do Setor Técnico de Apoio às Delegacias de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo. Márcia Salgado é, desde 2001, dirigente do setor e responsável pela orientação técnica das 128 delegacias especiais que atendem as mulheres. Desse total, nove delegacias estão na capital, 13 na Grande São Paulo e 106 no interior do Estado, representando 40% do total de delegacias de defesa da mulher em todo o Brasil.
Em conversa com a reportagem de Última Instância, Márcia Salgado disse que a rotina das delegacias da mulher pouco mudou após a entrada em vigor em 22 de setembro da Lei 11.340/06 (a chamada Lei Maria da Penha), que trata da violência doméstica e familiar contra a mulher.
O perfil das mulheres, em regra, é o de procurar a delegacia na segunda-feira para denunciar os casos ocorridos no final de semana. Dificilmente acionam a Polícia Militar quando estão sendo agredidas. A grande maioria delas espera o agressor sair de casa, na segunda-feira, e então recorrem às delegacias. Por isso, o número de registros nesse dia acaba sendo mais volumoso.
De acordo com Márcia Salgado, por enquanto, não houve um aumentou no número de atendimentos, após a entrada em da nova legislação, "mas os números existentes já são bastante significativos". "Ainda existe a necessidade de motivar as mulheres a fazerem denúncias", afirma.
Procedimento atual
O que mudou, tanto na delegacia da mulher, quanto no distrito policial comum, depois da Lei Maria da Penha foi a forma de apuração do delito cometido. Antes, era feita uma apuração sumária, chamada de Termo Circunstanciado de Ocorrência Policial, um documento suscinto, no qual constava a versão da vítima e do agressor. Se houvesse testemunhas que presenciaram a agressão, elas também eram ouvidas. Do contrário, apenas mencionadas. E esse documento era encaminhado para o Juizado Especial, conforme a Lei 9.099/95.
Agora, a Lei 11.340/06 veda a aplicação da Lei 9.099/95. Assim, a apuração desse tipo de crime é feita necessariamente com abertura de inquérito policial. Depois de concluído, o inquérito vai, por enquanto, para o Fórum Criminal. Os juízes das varas criminais estão sobrecarregados de processos, acumulando todos os tipos de crimes, desde os mais graves aos mais simples. Ou seja, além do grande volume de processos, cuidam de tipos criminais diversificados. Isso ocorre porque, no Estado de São Paulo, ainda não foram instalados os juizados de violência doméstica.
Márcia ressalta que antes se o agressor admitisse que tivesse praticado a agressão, não precisava seguir um processo-crime. "O juiz já aplicava de plano uma pena de prestação de serviços à comunidade. Depois, os juízes passaram aplicar a pena pecuniária, de pagamento de cestas básicas para uma determinada instituição de caridade. Ou seja, esse procedimento não alcançava o propósito da reeducação do homem agressor, não surtia efeito", conta.
Ela destaca que o diferencial entre o procedimento anterior e o atual é que com a instauração do inquérito policial, caso o agressor peça uma certidão de antecedentes criminais, ficará constando a existência do inquérito.
"O efeito é pedagógico, pois, cada vez mais, as empresas não admitem para contratação um homem que apresente uma certidão constando ocorrências policias", frisa a especialista. Pelos procedimentos previstos na Lei 9.099/95, isso não acontecia.
Prisão em flagrante
Outro aspecto inovador da lei é a questão da prisão em flagrante. Pela aplicação da lei 9.099/95, o agressor que era conduzido à delegacia, "nas condições de ser autuado em flagrante". "Se concordasse em comparecer ao Juízo, assinava um termo de compromisso na delegacia e não poderia ser autuado em flagrante", afirma.
Como a lei, isso não se aplica mais, se reunidas as condições para a lavratura de um auto de prisão em flagrante, o agressor é preso.
"Com um diferencial: as penas para esses casos menores de agressão, que seriam as agressões leves, são de detenção. E existe uma determinação do Código de Processo Penal que permite ao delegado de polícia arbitrar um valor para fiança, para que o agressor possa responder em liberdade esse processo. Nos casos de agressão mais grave, a pena de restrição de liberdade é a reclusão e, portanto, somente o juiz pode fixar o valor da fiança", explica Márcia.
Ela ressalta a importância de explicar esse diferencial para que a lei "não caia em descrédito perante a população, porque muitas mulheres, nessa condição de lavratura do flagrante imaginam que o agressor ficará preso". "Pelo fato de o agressor ter o valor da fiança, ele pode sair no mesmo momento, porque a lei permite", explica.
Prevenção
Márcia Salgado considera que o grande avanço da legislação Maria da Penha, sob o ponto de vista pedagógico, é quando a lei trata da reunião de diversas áreas da sociedade para se engajarem nas questões de prevenção à prática de violências domésticas —entre outras, as áreas da saúde, educação e o Ministério Público. Além disso, a lei determina que os governantes façam campanhas permanentes de educação sobre o tema.
"Essa é uma forma de cuidarmos do problema de modo preventivo", afirma. "A imprensa em geral só trata desse tema da violência doméstica a cada 8 de março e 25 de novembro. Isso precisa mudar. Por isso, a lei é importante, porque exige que se façam campanhas regulares sobre esse tema, para alertar a população. Todos precisam estar sensibilizados para essa causa", diz.
Motivo das denúncias
"A grande maioria das mulheres que recorre à delegacia quer apenas que cesse a violência. São poucas aquelas que têm esse sentido de cidadania, de dizer: ‘vou fazer valer meus direitos’. De regra, elas nem querem que eles [os agressores] sejam apenados. Se fosse possível, através de uma bronca, a modificação do comportamento do agressor. Essa é realmente a pretensão delas", afirma.
É claro que na delegacia se pondera que isso não pode ser resolvido dessa maneira, que o fato precisa ser apurado. E que ainda que ela queira permanecer nessa relação, a denúncia é uma forma de o agressor perceber o comportamento dele. Em muitos casos, é necessário o encaminhamento do homem para um local que possa lhe dar um tratamento. Mostrar que seu comportamento pode ser modificado.